Três cadeiras estavam desocupadas. Os cães espreitavam mas
não chegavam a dizer. As gárgulas da igreja enfrente, essas sim, manifestavam
uma verborreia de arrepiar. Um cavalheiro tombou de uma das cadeiras ocupadas
para uma das três desocupadas. Ninguém reagiu. Ficaram duas desocupadas. Os
cães nada. Através dos vidros via-se uma velhinha no passeio enfrente a tentar
alcançar o orifício de um ecoponto para depositar uma garrafa que parecia ser
de vinho. Com o corpo todo a fugir-lhe para a terra o objectivo mostrou-se
inatingível. Um cavalheiro que passava pegou na garrafa e enfiou-a no buraco. A
cena chegou ao fim. É o problema dos cavalheiros, quase sempre empenhados em
terminar as sequências de acontecimentos. O cavalheiro que tombou pôs-se
subitamente muito direito e desatou a falar para a mulher sentada ao lado como
se nada tivesse ocorrido. Gesticulava. Queixava-se do tempo de demora.
Empenhava-se subitamente em ter um quórum alargado de aprovação das suas
queixas. Falava alto e olhava as pessoas à procura de adesão. O tronco movia-se
para a frente e para trás. Os ombros de tempos a tempos moviam-se para cima e
para baixo. O rosto explodia em uma raiva medíocre, cobarde. Começou a chover
granizo. Todos passaram a olhar para a rua através dos vidros com uma máscara
facial que misturava espanto com desânimo. Tocou uma campainha. Uma voz sem
corpo fez-se ouvir em toda a sala anunciando um nome cheio de interferências eléctricas.
Ninguém se mexeu. Á terceira vez que o nome foi referido, uma mulher
levantou-se e desapareceu numa porta ao fundo. Todos voltaram a olhar para rua.
A chuva tinha parado mas haviam corpos a deslocarem-se para cima e para baixo a
aparecerem e desaparecerem no ecrã dos vidros. Corpos com vária formas mas dos
quais era fácil em pouco tempo estabelecer meia dúzia de padrões. Cores
escuras, cinzentas, como as dos prédios, a um ritmo mais ao menos combinado.
Digamos que uma aceleração ordenada. Não havia nem lentidão, nem rapidez
propriamente dita, mas sim uma aceleração em processo. A mulher apareceu pela
porta dos fundos a falar sozinha e a olhar para o chão, começando já a notar-se
a progressão da aceleração que a ia juntar aos que lá estavam fora. Saiu e
bateu com a porta. Uma rapariga loira, de bata branca, sorria constantemente e
tentava tranquilizar todos aqueles rostos crispados. Finalmente, meio
adormecido na minha cadeira, ouvi um nome vagamente conhecido. Era o meu. Não
sei quantas vezes já teria sido chamado. Levantei-me apressado em direcção à
porta dos fundos. Posso entrar senhor doutor?
Sem comentários:
Enviar um comentário