quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A.I.N.P.



Três cadeiras estavam desocupadas. Os cães espreitavam mas não chegavam a dizer. As gárgulas da igreja enfrente, essas sim, manifestavam uma verborreia de arrepiar. Um cavalheiro tombou de uma das cadeiras ocupadas para uma das três desocupadas. Ninguém reagiu. Ficaram duas desocupadas. Os cães nada. Através dos vidros via-se uma velhinha no passeio enfrente a tentar alcançar o orifício de um ecoponto para depositar uma garrafa que parecia ser de vinho. Com o corpo todo a fugir-lhe para a terra o objectivo mostrou-se inatingível. Um cavalheiro que passava pegou na garrafa e enfiou-a no buraco. A cena chegou ao fim. É o problema dos cavalheiros, quase sempre empenhados em terminar as sequências de acontecimentos. O cavalheiro que tombou pôs-se subitamente muito direito e desatou a falar para a mulher sentada ao lado como se nada tivesse ocorrido. Gesticulava. Queixava-se do tempo de demora. Empenhava-se subitamente em ter um quórum alargado de aprovação das suas queixas. Falava alto e olhava as pessoas à procura de adesão. O tronco movia-se para a frente e para trás. Os ombros de tempos a tempos moviam-se para cima e para baixo. O rosto explodia em uma raiva medíocre, cobarde. Começou a chover granizo. Todos passaram a olhar para a rua através dos vidros com uma máscara facial que misturava espanto com desânimo. Tocou uma campainha. Uma voz sem corpo fez-se ouvir em toda a sala anunciando um nome cheio de interferências eléctricas. Ninguém se mexeu. Á terceira vez que o nome foi referido, uma mulher levantou-se e desapareceu numa porta ao fundo. Todos voltaram a olhar para rua. A chuva tinha parado mas haviam corpos a deslocarem-se para cima e para baixo a aparecerem e desaparecerem no ecrã dos vidros. Corpos com vária formas mas dos quais era fácil em pouco tempo estabelecer meia dúzia de padrões. Cores escuras, cinzentas, como as dos prédios, a um ritmo mais ao menos combinado. Digamos que uma aceleração ordenada. Não havia nem lentidão, nem rapidez propriamente dita, mas sim uma aceleração em processo. A mulher apareceu pela porta dos fundos a falar sozinha e a olhar para o chão, começando já a notar-se a progressão da aceleração que a ia juntar aos que lá estavam fora. Saiu e bateu com a porta. Uma rapariga loira, de bata branca, sorria constantemente e tentava tranquilizar todos aqueles rostos crispados. Finalmente, meio adormecido na minha cadeira, ouvi um nome vagamente conhecido. Era o meu. Não sei quantas vezes já teria sido chamado. Levantei-me apressado em direcção à porta dos fundos. Posso entrar senhor doutor?

Sem comentários: