sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Inocências de Baco (4-1-2014)

UMA NOITE NO FOLIAS DE BACO
A luz que nos tinha trazido os espaços com a sua matéria sólida: as casas, as árvores, as pedras, as ruas, o céu e a terra, tinha-se agora extinguido e dado lugar a uma outra luz – a artificial. Nas ruas antigas de séculos do Porto, a estas horas, ainda é possível sonhar a idade média. Pontos luminosos que partem de candeeiros verdes guiam-nos através de ruas estreitas e deixam-nos mergulhados num tempo nostálgico.
Depois de várias voltas descobrimos o bar “Folias de Baco” que procurávamos. Entramos devagarinho para tentar fazer surpresa à dona. Mas logo ela me detectou e veio até mim. Abraçamo-nos demoradamente. Isto dos abraços demorados causa-me sempre um certo mal-estar porque nunca sei quando é que aquilo vai parar e o que devo sentir. Problema meu é claro, habituado a abraços rápidos e pouco emocionais.  Bom, mas continuando, enquanto eu estava preso naquele abraço, já a nossa amiga C falava e tirava fotos a um homem que se encontrava no bar a tocar banjo. O som do banjo foi aliás uma das sensações agradáveis ao entrar na casa. Como se não bastasse tirar fotos ao homem, pediu-me imediatamente para lhe tirar uma agarrada ao homem enquanto tocava. Disse-lhe que tinha-mos acabado de entrar, que tinha-mos a noite toda… Tiramos a fotografia dela com o músico. Um ou dois minutos depois estava a dizer ao senhor, que ficamos a saber se chamava Agostinho, que ele lhe fazia lembrar o avô da Haidi. E insistiu nisto várias vezes. Pensei cá para mim que o homem podia não achar muita piada à comparação, mas ninguém faz parar esta mulher. Passado um pouco já dizia que afinal lhe fazia lembrar o Pai Natal. É claro que como se está mesmo a ver o Agostinho tem cabelo e barbas brancas. O senhor sorria e foi muito benevolente com aquela jovem que lhe deu tanta atenção que é coisa que ele não deve ter já que as pessoas nem batiam palmas quando ele acabava de tocar. Entretanto a N lá trouxe o vinho e o chá que passado algum tempo foram acompanhados por bola de carne, alheira e boroa. Muito bom, diga-se. O bar, por dentro mantem a traça original, conservando assim uma continuidade temporal com o que sentimos quando andamos naquelas ruas. Isto acontece aliás com muitos dos novos espaços que têm aberto no Porto antigo. Nem tudo é mau. O Agostinho continuava a tocar o seu banjo e às vezes a cantar. Ora aqui é que surge outro problema. O reportório que ele tocava, do qual identifiquei algumas músicas, tinha a ver com o folk americano, logo cantado em inglês. Mas o que acontecia é que o inglês do nosso Agostinho parecia russo o que tornava a coisa um bocado bizarra, mas mesmo assim interessante. Não se apanhava uma do que ele dizia. Parecia aquele inglês de quando somos miúdos e queremos cantar as músicas da moda e como não sabemos a língua inventamos e damos-lhe um sotaque para parecer verdade. Enfim, isto que não pareça uma crítica, porque não é. O ambiente que o homem criou com o instrumento foi muito agradável e isso é que interessa nestas situações. Ele, aliás, também gostou muito de nós, ou melhor dizendo da C. A N a certa altura veio-nos perguntar se ele se podia sentar à nossa mesa. “Claro, então não havia!”. Sentou-se com um copo de vinho e um prato com alheira. A C saltou-lhe logo encima da alheira. Isto sem segundas intenções é claro. Passado um pouco já lhe dizia que o considerava um “vendedor de sonhos”. O homem estava estarrecido, mesmo vendo a sua alheira a diminuir. Entraram então numa conversa acerca do bem-estar psicológico. Se os problemas estão em nós ou fora de nós e essas coisa do género. Chegado a este ponto a C saca do bloco de apontamentos e começa a escrever todos os concelhos que o Agostinho se presta a dar. Parecia uma entrevista para o Expresso. ~
A noite corria e bem. Umas saídas esporádicas à rua para fumar cigarros. Numa destas saídas constatei que o antigo atelier da I é agora um Hotel de Luxo. As coisas estão mesmo a mudar por esta zona da cidade. Veio um segundo copo de vinho, uma alheira e boroa. A N sentou-se connosco e falamos de várias coisas. Escola, escola, escola, um bocadinho de cinema e já está.


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