quarta-feira, 29 de julho de 2009

Do Dia


0 sono corresponde a menos horas de vigília, não a menos horas de vida, como muitos anunciam.
Levantei-me tarde.
Saí para comer alguma coisa e sobretudo para tomar café.
Mas antes, caixa de correio. Surpresa! Carta das Finanças declarando o que vou ter de pagar relativamente ao ano de 2008. Não há melhor maneira de começar o dia.
Pela rua a caminho do café - “A nossa Joana é como o vinho! Teve as bênçãos do vinho! Ela anda a cabeleireira…”
Estava na biblioteca a ler o El País e recebo uma mensagem a dizer: “Já cá estou”
O Vaticano reabilitou Óscar Wilde, deve ser para rir esta, não? Zaha Hadid projecta um auditório em Inglaterra especificamente para ouvir música barroca e em especial Bach. Coisa incrível. Fez uma série de estudo acústicos tendo em conta o desenvolvimento da musica de Bach e projectou o auditório de maneira a revelar toda a verdade da musica deste compositor único. De corrida, no Publico, um artigo do João César das Neves sobre o Magrite a propósito do museu dedicado ao mesmo recentemente inaugurado. Um artigo sobre arte feito por um rato de sacristia é sempre irresistível. O Saramago revolta-se contra os números exibidos pelas sondagens sobre a violência exercida sobre as mulheres nos lares espanhóis. Adianta, que seria altura de os homens fazerem manifestações públicas sobre este facto, sem a presença de mulheres.
Fassbinder foi um génio. Sabia-o e cada vez que revejo as suas obras, confirmo. Berlim Alexander Platz. O cinema começou por ser uma arte. Hoje ainda o é na voz de alguns, poucos, resistentes. Na maior parte dos casos não passa de uma fábrica de produzir esquecimento. É me muito difícil acreditar no suicídio de Fassbinder. Um homem com aquela energia e criatividade transbordante não conseguia suicidar-se, muito menos aos 36 anos.
Mandaram-me uma mensagem com um áudio que circula pela Internet com uma entrevista feita por uma meninas do Piaget de Macedo de Cavaleiros e na qual se pode ouvir uma mulher viúva exposta em toda a sua intimidade. Uma coisa quase pornográfica. Achei triste, mas ao mesmo tempo um exemplo extraordinário do que ainda se passa no mundo rural actual. Mulher sem receios expondo-se totalmente, já que não tem mais nada a perder. Ressalve-se a lucidez com que identificou as meninas do Piaget como sendo uma espécie de putas, que é o que são na verdade, com todo o respeito por aquelas que ganham a vida propiciando prazer com o seu corpo e que são mais sérias do que estas do Piaget de Macedo de Cavaleiros.
Andamos toda a tarde a saltar de esplanada em esplanada, à procura de sol. È difícil encontra esplanadas no Porto onde se apanhe sol da parte de tarde. É preciso fazer uma topologia das esplanadas tendo em conta o sol e não só os fumadores. Ao fim da tarde - O céu em gradações cinza escuro em primeiro plano, laranja esbatido na camada seguinte e finalmente cinza claro.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Esplanada


Vêem-se muitos turistas na cidade. Distinguem-se uns pelo ar nórdico que exibem e todos pelo ar confuso com que recebem a mesma. Nas esquinas das ruas, casais e famílias inteiras, debruçam-se sobre mapas como se estivessem a decifrar enigmas. Olham para um lado e para o outro e as mais das vezes devem tomar o rumo do acaso, que vendo bem, é o mais próprio para quem faz turismo. Às vezes perguntam a quem passa como é que se vai para determinado sítio, mas é raro. Evitam o contacto, ainda desconfiados das gentes da terra que pisam. A maioria são espanhóis. Nos últimos anos parece que os espanhóis descobriram Portugal ou foi a crise que os mandou para cá.
Estou na esplanada e vejo-os passar. Alguns sentam-se e pedem cerveja. Nada de meias de leite ou coisa parecida. Tenho uma amiga para a qual o melhor repasto da vida é uma meia de leite acompanhada de pão com manteiga. Hábitos. O jornal é do dia anterior, mas mesmo assim dou uma vista de olhos. O pedinte do braço oculto por baixo do casaco aproxima-se das mesas e debita uma espécie de reza que ninguém entende mas toda a gente percebe.
- Um café em chávena escaldada, por favor!
Um cão vem cheirar o saco de compras que está em cima da cadeira. Há sempre cães a passar. Uns com dono outros livres.
O jornal do dia anterior. Faz 40 anos que o primeiro homem pisou a lua. Parece que ainda há gente que não acredita.
Chega um grupo de raparigas negras e ocupa uma mesa. Falam alto e riem ainda mais alto. Estão alegres e satisfeitas, vá-se lá saber porquê. O dono da casa de móveis vem à porta entreter o olhar. Olha para cima e para baixo e volta a entrar no estabelecimento vazio. Mulheres novas e menos novas olham as montras e carregam sacos de papel com as marcas das lojas. Os saldos. As carteiras vazias. A vontade irreprimível de comprar. A angústia do capitalismo falhado.
O Filipe já cansado daquela inacção começa a arrastar cadeiras da esplanada para o meio da rua. O pai complacente, observa e não diz nada. As pessoas que se encontram nas outras mesas sorriem com uma expressão nostálgica possivelmente recordando o tempo em que eram capazes de arrastar cadeiras para a rua e subir para cima de mesas.
Amstrong ligou da lua para o telefone vermelho da Casa Branca, atendeu Richard Nixon.
Levantei os olhos, mas não estava visível.
As olheiras da jovem que atende à mesa são uma espécie de buraco negro dentro do qual há vida. Quantas horas? Quantos dias? o desemprego aumenta, a escravidão anuncia-se, as humilhações… Berlin – Alexander Platz.
Com a luz de fim de dia a rua ganha uma outra visibilidade. Os edifícios tornam-se mais legíveis nas suas reentrâncias e ornamentação.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite."
Clarice Lispector

sexta-feira, 17 de julho de 2009

FUMAR

Apeteceu-me fumar um cigarro
Preparei-me para o fazer
E de repente dei conta que já estava a fumar
Todo um questionar a vontade de fumar
De repente se apoderou de mim
Deitei fora o cigarro que fumava
Pareceu-me absurdo – o acto
Era como uma espécie de paroxismo.
E agora?
Não ia fumar, ia fazer o quê?
Eis a questão
Fumar ou não fumar
Vencer esta intranquilidade que me arrasta
Até ao fim dos dias
Não és homem nem és nada! Se…
Pois, que não sou homem já sei
E não quero
Agora que não sou nada…
Ainda estou na dúvida

domingo, 12 de julho de 2009

LA PISCINE


Para me refazer do ultimo desaire – flash-back até aos anos 70 com o filme “La Piscine” de Jacques Deray. O filme, muito falado à época, é, visto com os olhos de hoje uma pérola. Pela simplicidade, contenção, bom gosto e capacidade de contar uma história de uma maneira cinematográfica – quer dizer na qual as imagens, o que vemos, é determinante no desenrolar do processo e naquilo que vamos sentindo. O Ciúme ou a necessidade de posse pode ser o tema do filme, mas para além disso temos o extraordinário prazer de ver essa mulher, que na verdade não é uma mulher, mas sim uma deusa, que é Romy Schneider. Jacques Deray, o realizador, sabe-o e filma-a como poucos a conseguiram filmar. A câmara lê-a em certos momentos. Lê o seu corpo sem conseguir penetrar na sua mente, é certo, mas a ideia é também deixar essa ambiguidade espalhar-se. Se este filme não fosse mais do que isto, já valeria a pena. Ver Romy a descer as escadas da casa no seu fato de banho branco, ou a ouvir musica esticada no sofá, ou a sair da piscina, ou a dormir, só isto valia o filme todo. Exagero? Não! Vejam, o porte, a elegância, o equilíbrio das formas, tudo, o máximo da perfeição.
Mas também há o Alain Delon no seu máximo, quer de apresentação física, quer de representação.
A escolha de Romy Schneider para a protagonista deste filme é especiamente feliz, tratando-se de um tema que tem a ver com a posse, porque ela era o tipo de mulher que deixava sempre um rasto de insegurança nos homens com a sua beleza extraordinária.
Também no filme, embora com uma participação secundária a jovem Jane Birkin.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

ELEGY


Vi o filme hoje à noite, depois de ter lido várias criticas favoráveis. Fraco, muito fraco. Um tema já gasto em cinema, com as suas variações é claro, mas já gasto. Não é cinema – é mais televisão que cinema. Processos narrativos paupérrimos, sem um gesto, um movimento de câmara, um plano que te deslumbre. Tudo lugares comuns. As praias enubladas, o homem reflexivo por dentro da janela observa a chuva, as mamas da Penélope Cruz… mesmo Ben Kingsley que é um dos grandes actores da sua geração, não se mostra lá muito à vontade no papel. Quem não esteve mesmo bem foi esta Isabel Coixet que assina o filme. Uma lamechice para a família cristã.
Poupem o vosso dinheirinho e vejam na televisão que é o melhor.

Pinto Monteiro

O Procurador-geral da República, Pinto Monteiro, mostrou-se ontem preocupado com o que caracteriza ser um cerco às liberdades individuais em nome da segurança. Num seminário na Universidade de Coimbra, Pinto Monteiro disse que hoje há cada vez mais “medidas excepcionais”. “Temos as buscas domiciliárias nocturnas, casos excepcionais de investigação, vigilâncias de rua”, disse.

“Pouco a pouco há uma espécie de pequeno cerco a determinadas liberdades individuais, que o cidadão em nome da segurança aceita”, acrescentou Pinto Monteiro. “Penso que é um perigo ir por aí”.

“A liberdade sempre tem de ser tida em primeiro lugar, ou pelo menos numa situação de igualdade, aliás como exige a nossa constituição”.

“Em nome da segurança não podemos esmagar a liberdade do cidadão. E em nome da liberdade não podemos descurar a segurança individual. É um equilíbrio difícil. Seria mau esmagar a liberdade para impor uma segurança reforçada”

Finalmente alguém com responsabilidade diz algo que ultrapassa o politicamente correcto

quinta-feira, 9 de julho de 2009


No espaço de cem metros, duas farmácias. As duas com bom aspecto, preocupação com as cores que as decoram, com as montras, com o espaço interior. Numa delas existem sofás para as pessoas descansarem enquanto esperam. Um pouco mais à frente, um novo conceito, que eu não conhecia, a Farmacar. Consiste numa estrutura preparada para fornecer medicamentos a pessoas que se deslocam até lá de carro. Extraordinário, não é? Pelo centro da cidade nascem e crescem Clínicas e Laboratórios de Análises. O negócio prospera com a cumplicidade de médicos e de uma população que faz da doença um curriculum vitae. Não sei se já repararam que agora por tudo e por nada se manda fazer análises, ecografias, colonoscopias, mamografias, etc.
Não sei se também repararam a quantidade de pessoas que se deslocam de muletas como se estas fossem mais um adereço que as qualifica, como o telemóvel, o relógio, ou outro qualquer. Isto porque quando as observamos atentamente reparamos que não se apoiam nas ditas muletas, mas sim que as transportam. São estas muletas adquiridas nos centros de saúde, local no qual muitas pessoas passam tardes e manhãs que oscilam entre a resmunguice e o convívio fraternal.
Agora com a Gripe A, todo um novo rosário de queixas e medos vai ganhar forma e esperemos que não acabe em histeria colectiva.
Bons tempos para a industria farmacêutica e profissões a ela ligada.
A venda de Tamiflu dos laboratórios Roche, já esgota em muitas farmácias e na Internet à algum tempo e ainda estamos no começo.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

OLHARES

É interessante como as pessoas têm dificuldade em demorar o olhar umas nas outras. Este facto nota-se com mais evidência nos transportes públicos, ou nos cafés e, enfim, em todos os sítios públicos em que as pessoas se encontrem confinadas a um espaço. E é tanto mais interessante, quanto as mesmas pessoas olham compulsivamente umas para as outras na rua – portanto em espaço aberto.
Os homens olham sobretudo para as mulheres. As mulheres olham sobretudo umas para as outras e por vezes também olham para os homens. Mas estes olhares têm significados diferentes. O dos homens é primário, têm a ver com o desejo imediato que esta ou aquela mulher lhe suscita. O das mulheres, umas para as outras, têm a ver com a rivalidade na disputa pela atenção dos homens e portanto com a sua performance visual no espaço público. O olhar que por vezes dispensam a certos homens ou corresponde a uma apreciação de um determinado tipo físico ou o mais das vezes a demonstrar um interesse que espera ser retribuído.
Mas todo este jogo de olhares é feito com uma rapidez incrível. Demorar o olhar tem má conotação. É muito descaramento. Ou é afinal medo? Medo de não ser correspondido.
Olhar nos olhos então, é problemático. Ninguém olha nos olhos. Deve ser por isso que tanta gente anda de óculos escuros.
Olha-se para os pés, para as mãos, para as pernas, para a barriga, mas do umbigo para cima há um interdito qualquer.
Aqui há alguns anos uns amigos brasileiros que estavam cá de férias comentaram comigo como estranhavam o olhar das pessoas. “Gente! Como vocês se olham!”
E é verdade. Sente-se um olhar pouco saudável nos transeuntes. Julgo que é a este olhar que alguns chamam o olhar de inveja. Não sei se estou muito de acordo com a designação mas que é doentio é.
Foi hoje posto à venda, dia 7 de Julho, o último livro de Miguel Sousa Tavares. O facto mereceu ampla divulgação nas duas últimas semanas em vários meios de informação, dando direito até a uma entrevista de fundo na revista Visão com o autor. Como nos dois livros anteriores a máquina de propaganda esteve bem montada.
Ao fim da tarde quando me tive de dirigir ao balcão de um café para pagar o mesmo, lá estava um lote de postais à beira da caixa registadora que anunciavam o lançamento do livro.
Com tanta perseguição resolvi ir à Fnac dar uma vista de olhos.
O livro chama-se “No Teu Deserto” e por baixo do título em letras mais pequenas anuncia que se trata de um “quase romance”.
Portanto não se trata já de um romance histórico, como os anteriores, mas de uma história que anda entre o real e a ficção. Quer dizer, coisas que ele viveu na sua travessia do deserto, às quais acrescenta, retira e inventa. O livro é escrito a duas vozes. A dele e a de uma rapariga mistério que conheceu nesta viagem pelo deserto. É escrito a duas vozes mas por uma só mão, que é a dele, já que a rapariga parece que até já morreu.
Das páginas que li ficou-me a ideia de uma escrita medíocre que vai relatando os percalços e os momentos de prazer desta viagem sem se coibir de um egocentrismo e narcisismo que lhe está latente, principalmente nas partes em que fala por ela e da experiência extraordinária que foi para ela conhecê-lo.
Os livros anteriores, para além das polémicas, estão protegidos pela investigação histórica sobre os factos de que fala, mas agora que se arriscou numa história pessoal ficou mais exposto o seu génio para a escrita, para a criação literária.
É claro que o livro vai vender imenso. Tem até a vantagem de ter poucas páginas e ser mais barato do que os outros. Mas não é por isso – é que fica bem ter o último livro do Miguel.
Tal como existem as Santanetes e as Socranetes, também existem as Migaletes.

quinta-feira, 2 de julho de 2009



SOZINHO COM O MEU CORPO

Agora estou sozinho com o meu corpo
Marcas, rugas, feridas
Pronto a ser história

Agora estou sozinho com o meu corpo
Libidinoso, apático, febril
Pronto a ser massa

Agora estou sozinho com o meu corpo
Gestos, cheiro, ruídos orgânicos
Pronto a ser máquina

Agora estou sozinho com o meu corpo
Pele, pelos, unhas, lixo
Pronto a ser bicho

Agora estou sozinho com o meu corpo
Lavado, perfumado, reluzente
Pronto a ser imagem
Manuel Pinho, ministro das finanças de Portugal, foi demitido do governo por fazer um gesto considerado ofensivo para a bancada dos comunistas. Hipocrisia instalada, hipocrisia total. O primeiro-ministro vem com falinhas mansas pedir desculpa em nome do governo. A oposição aproveitou o facto, como é evidente, para tentar afectar o governo e conseguiu. O governo acusa uma fragilidade evidente ao demitir um ministro por uma razão destas. Uma vergonha que denuncia o estado e a qualidade dos políticos que temos.
O gesto em questão do ministro, foi pôr os dois dedos indicadores de cada mão, um de cada lado da cabeça, numa simbologia comum que se associa a um par de cornos.
Queria dizer nesta noite quente e apesar de tudo igual a todas as outras que estou contigo Manel. Não sei se foste um ministro extraordinário, mas sei que foste um ministro autêntico, com gafes a torto e a direito e nada preocupado com o politicamente correcto. Tudo menos um politico de carreira e hipócrita tipo Sócrates.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O Michael Jackson morreu. Esqueçam.
A bailarina - coreógrafa Pina Baush também morreu, poucos dias depois dele. Perda muito maior e irreparável como todas as que têm a ver com o génio a criatividade e a vontade de dotar a vida de novas linguagens de novos significados.
Além do mais era muito mais nova do que ele nos seus sessenta e tal anos carregados de rugas e de ossos expostos que compunham uma beleza espectral difícil de igualar.
Esteve várias vezes em Lisboa. Via há alguns anos na Gulbenkian num espectáculo inesquecível no qual aparecia breves minutos que eram suficientes para deixar o seu perfume a sua marca em tudo que se desenrolava de seguida. Algo parecido com a sensação que tive quando vi o primeiro concerto de Miles Davis no Coliseu de Lisboa. Também não esteve muito tempo em palco, mas mesmo quando não estava – estava, não sei se me faço entender? Não? É porque não viram. Se tivessem visto percebiam.

CINEMA