sexta-feira, 28 de maio de 2010

Desatou toda a gente a escrever livros. Até já não é novidade visto que o fenómeno já tem uns anos, mas a perplexidade em mim não cessa. Talvez por ter pensado que este seria um mundo mais preservado e mais dificilmente tocado pela mediocridade do mercado liberal. Ingenuidade, é claro, eles chegam a todo o lado e não olham a meios para impor a sua verdade mercantilista do lucro fácil.
Basta entrar nesse super-mercado da cultura que é a Fnac e dirigirmo-nos à zona dos livros para perceber o que estou a dizer. Todas as semanas as estantes destinadas às novidades estão repletas de livros acabados de sair. Os destaques, salvo raríssimas excepções, são livros escritos por actores, apresentadores de televisão, cozinheiros, modelos, figuras publicas de todo o género. Livros escritos por escritores são a minoria e estão geralmente em segundo plano.
André Gide, respondendo a uma carta do seu editor nos anos 30 do século XX, na qual este se mostra entusiasmado e diz que vai ser desta que ele vai ultrapassar os 40 mil exemplares vendidos; responde dizendo que se tal for verdade é porque uma de duas coisas aconteceu: ou a sua escrita se corrompeu, ou algo de perverso aconteceu na sociedade que explicará o facto. A verdade, que ele sabia, é que a arte verdadeiramente digna desse nome, sempre foi elitista e destinada a minorias.
Sim, eu também não sei. Mas vamos dizer que o tipo era bom na cama, porque não? Por ser filósofo? Eu sei que é difícil achar que um tipo que se diz filósofo, ou pior que é mesmo, seja bom na cama, basta ver o caso do Sartre, mas enfim não é impossível…
E depois para a mulher ficar com tal fascinação pelo homem não deve ter sido só pelas ideias, mesmo que geniais, já que vem dizer mais tarde que o problema são mesmo as ideias fora da acção
O dia cinzento de Outono. Pequenos charcos, luz difusa, guarda-chuvas, caras fechadas, cinzas vulcânicas, um sorriso na mulher que serve o café e o sol abre-se momentaneamente para logo se resguardar de novo na sua má disposição de estrela independente.
O rapaz que atende tem humor e faz questão de o mostar. Compramos o que estava previsto. Fiquei até com vontade de ficar cliente, mas a contemplação do stok disponível e dos espaço vital da loja, desfez o humor do funcionário.
“Ó tu que fumas” ouvi e logo me lembrei de a Alice às vezes ter esta expressão, sem que saiba até hoje qual a sua origem e mesmo o seu significado profundo, se é que tem.
Uma pequena borboleta rodopiava à minha volta. Como não sei destinguir entre estas e as traças, concentrei-me e bati energicamente uma mão na outra.
A facilidade com que mata-mos os seres que nos parecem menos crediveis é assustadora. afinal matar é mesmo a nossa profissão, como o James Bond, só que aprendemos a disfarçar esse impulso de uma maneira exemplar. Uns mais que outros é claro.

sábado, 15 de maio de 2010

Há um homem num andor e o andor é de aço e tem hélices e voa por cima de nós.
Há um homem num andor e o andor é de vidro e aço e desparece à nossa frente.
Há um homem vestido de branco frente a uma multidão multi-cor.
Olha em frente e o que vê já viu muitas vezes.
A multidão agita-se e procura o melhor local para ver o homem de branco.
Uns conseguem outros não.
Finalmente o homem de branco fala.
Quase ninguém presta grande atenção.
O importante é estar ali.
Por fim, quando os figurantes se retiram do altar, o mesmo é assaltado por jovens que pretendem tirar fotos sentados no sitio onde ainda à pouco se encontravam os bispos, com suas máquinas digitais e telemóveis. Senhoras profundamente religiosas assaltam o altar e roubam todas as flores e vasos que ali se encontram. A festa tinha acabado, restava a barbárie. Orai por nobis.

quinta-feira, 13 de maio de 2010


Há em mim um mistério de tudo, um desejo do simbólico, um procurar o isolamento e o prazer disso mesmo que me torna um ser espiritual com aproximações ao religioso. O que faz com me identifique com algum deste cerimonial que se executa na igreja católica. principalmente com o que eu imagino que se passaria a esse nível em tempos remotos. Daí que veja com alguma esperança o que se está a passar com este Papa a nível dos cerimoniais precisamente e da qualidade dos textos proferidos. Não que me identifique com as ideias prescritas, mas sim com a qualidade da narrativa e da coreografia que é executada nos momentos da proclamação da palavra.
A igreja católica, como é sabido, depois de séculos de omnipotência sofreu um duro revês a partir da que é chamada a época moderna e com isto viram-se, ou sentiram-se obrigados a implementar medidas para a sua actualização com os tempos. Logo à partida errado, porque o tempo como eles sabem melhor que ninguém, é uniforme e continuo. Mas fizeram, fizeram de tudo para não perder o poder. Mas o que fizeram foi inútil e infantil. Quiseram falar a nova linguagem, esquecendo que a deles é uma linguagem que se arroga de ser primordial e que sem isso cai na mediocridade.
Este Papa parece-me querer estar a inflectir este discurso. Vamos ver o que vai dar. Será difícil agora, nestes tempos, voltar a ter as pessoas disponíveis para o simbólico e para o lado espiritual da vida.

sábado, 8 de maio de 2010

Por isso é que eu não me canso de dizer que todo o amor que puderem obter e dar, toda a felicidade que puderem sacar ou fornecer, qualquer estado de graça temporário… tudo o que resultar.
E não se enganem, não é tudo fruto da vossa genialidade humana. Uma parte da vossa existência, maior do que gostariam de admitir, é sorte.
Meu Deus, sabem as probabilidades daquele espermatozóide do vosso pai, entre milhões, encontrar aquele ovo que vos fez???
Woddie Allen – “Whatever Works”